sexta-feira, agosto 1

Softwares e aparelhos eletrônicos ajudam pessoas com algum tipo de deficiência a levarem uma vida normal e produtiva

No começo da década de 1980, o aposentado Marco Antonio de Queiroz leu um artigo da Unesco que o marcou. O texto dizia que os limites de uma pessoa com deficiência dependiam dos limites tecnológicos de seu país. Na época Marco Antonio de Queiroz,que ficou cego em 1978, diz ter se sentido mais deficiente visual do que um cidadão com a mesma limitação de um país desenvolvido.
Trinta anos após perder a visão, o único indício de que Marco Antonio de Queiroz é cego são os óculos escuros. Ele navega na internet normalmente, envia torpedos pelo celular e mantém um site constantemente atualizado, o Bengala Legal. 'A tecnologia desfaz o limite que a minha deficiência me dá', diz.

Não é de hoje que a tecnologia está a serviço do deficiente - vide a bengala ou o aparelho de surdez. Tecnologias? Sim, de tempos atrás, que tiveram a função de inserir o indivíduo com deficiência na sociedade. Hoje, soluções de alta tecnologia, que podem ser uma tela que lê um site para um cego ou um programa de comando de voz que permite a um tetraplégico escrever um texto no Word, cumprem exatamente o papel que um dia a cadeira de rodas teve. Muito mais do que proporcionar a inclusão digital, essas ferramentas fazem a inclusão social.

Marco Antonio Pellegrini, de 44 anos, ficou tetraplégico em 1991, após levar um tiro em um assalto. Sua cadeira de rodas é uma verdadeira estação multimídia toda controlada por um joystick que ele opera com a boca. Além de ajudá-lo a se movimentar, o controle é o cursor do mouse de seu notebook, permitindo a navegação por sites e a leitura de e-mails.
Um computador de mão, sincronizado via Bluetooth com seu celular, não serve apenas para Marco atender e fazer ligações, mas para comandar qualquer coisa de sua casa que funcione com controle remoto, como ligar e desligar a TV e abrir o portão da garagem. Em seu desktop ele acende e apaga a luz dos ambientes de sua residência e liga o ventilador.
'Antes eu era muito dependente de outras pessoas; agora, não. Recuperei a minha privacidade também', explica. 'A tecnologia é a diferença entre eu ser produtivo ou não', afirma Pellegrini.

Acredita-se que existam 24,6 milhões de pessoas com alguma deficiência no Brasil: visual, auditiva, mental, física ou múltipla. Na capital paulista, são 1.077.000, segundo o censo de 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Apenas em 2010 haverá nova pesquisa.
Segundo estimativas da Organização das Nações Unidas e da Organização Mundial da Saúde, a cada dia 500 brasileiros se tornam deficientes em conseqüência de acidentes e doenças que tenham deixado seqüelas.

Falar de inclusão - digital ou social - para essas pessoas especiais não é fácil, pois em geral elas têm em sua história todo um passado de exclusão. Em São Paulo é a calçada que não é adequada, a vaga reservada no estacionamento que não é respeitada, a escola que não tem profissionais treinados e estabelecimentos que não têm rampas ou elevadores especiais para cadeirantes.
A advogada Thays Martinez, de 34 anos, cega desde os 4, já sentiu na pele a falta de preparo da cidade para apoiar pessoas com deficiência. Em 2000, Thays foi barrada em uma estação de metrô paulistana, que não permitiu a entrada de seu cão-guia, o labrador Boris. Ela moveu um processo contra a Companhia do Metropolitano de São Paulo, que resultou na criação de uma lei que garante a livre circulação de cães-guia em lugares públicos.'Eles (Boris e seu notebook) são meus companheiros inseparáveis. Com o laptop leio jornais, revistas, livros eletrônicos, converso pelo MSN e até estudo espanhol', sorri. Ela realiza atividades corriqueiras graças a um leitor de tela - software de voz que traduz comandos e o que está exibido na tela do PC em palavras.

Aos poucos, a cidade de São Paulo - que já levou duas cutucadas neste texto - coloca em pauta projetos que levam a uma maior inclusão social. Há cerca de dois anos a Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida desenvolveu um software que mapeou as principais rotas de mobilidade da capital: ambientes muito movimentados e com grande concentração de serviços públicos.

O programa identificou os principais problemas das regiões analisadas. A Avenida Paulista, por exemplo, recentemente teve sua calçada reformada com piso tátil para deficientes visuais. Também circulam pelo local ônibus de piso baixo, indicados para cadeirantes.

Segundo Renato Corrêa Baena, secretário da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida, 160 telecentros da capital receberam mais de 200 títulos de áudiolivros e softwares leitores de tela. A unidade do Parque da Juventude tem uma sala especial para surdos.

São boas notícias, mas ainda há muita coisa a ser feita. Um dos maiores problemas é o alto custo de equipamentos e soluções tecnológicas importantes aos deficientes. Só a cadeira hi-tech de Pelegrino custou cerca de US$ 30 mil. O software que Marco Antonio de Queiroz tem em seu celular custa R$ 730.

Tudo 'culpa' da tecnologia de ponta, mas há opções gratuitas como o programa MouseCamera, que Pellegrini utiliza para escrever textos.